Carnaval e as Festas Juninas no
Rio de Janeiro
Uma História de Conexões Culturais
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Foto: Anibal Philot - Desfile da Escola de Samba "Estação Primeira de Mangueira", com o enredo "Yes, Nós temos Braguinha" em 1984 - Fonte: Jornal O Globo
O Carnaval do Rio de Janeiro e as festas juninas possuem uma relação mais estreita do que se imagina. Ao longo do século XX, essas duas manifestações culturais se influenciaram mutuamente, especialmente no âmbito musical e na organização dos eventos. Essa conexão histórica remonta às décadas de 1930 e 1940, quando o movimento das marchinhas carnavalescas inspirou a criação das primeiras marchinhas juninas, consolidando um elo que perdura até hoje.
As Marchinhas: A Ponte entre Carnaval e São João.
As marchinhas de Carnaval surgiram no final do século XIX, no Rio de Janeiro. A primeira marchinha registrada foi "Ó Abre Alas", composta em 1899 por Chiquinha Gonzaga. A marchinha "Ó Abre Alas" se tornou um marco na música popular brasileira e abriu caminho para a consolidação do gênero. As marchinhas foram predominantes no Carnaval Brasileiro dos anos 20 aos anos 60 do século XX.

Francisca Edviges Neves Gonzaga, mais conhecida como Chiquinha Gonzaga. Foi uma
Na década de 1930, as marchinhas carnavalescas dominaram o cenário musical brasileiro. Grandes compositores como Lamartine Babo e Assis Valente ajudaram a popularizar esse gênero, que logo foi adaptado para as festas juninas. A transição foi natural, já que ambos os eventos possuíam forte apelo popular e estavam ligados a um espírito de celebração e dança. Entre os exemplos mais notáveis está "Cai, Cai, Balão", de Assis Valente, uma das músicas juninas mais famosas do Brasil e que segue o mesmo ritmo animado das marchinhas carnavalescas.

José de Assis Valente foi um ilustrador e compositor
Entre os anos 1940 e 1960, os principais clubes sociais do Rio de Janeiro destacam-se na organização de eventos sazonais, dentre eles, os bailes carnavalescos e as festas juninas. No caso das festas juninas, estas não apenas promoviam a música e a dança, mas também incentivavam a representação dos casamentos caipiras. Espaços como o Social Ramos Clube preserva registros desses eventos carnavalescos e juninos.

Lamartine de Azeredo Babo foi um cantor e compositor
popular brasileiro.

Grupo do Amor fantasiados para o baile de carnaval de 1947 no Social Ramos Clube.
Foto: Acervo de Edson Lima

Grupo do Amor, trajados de caipiras para a festa junina do Social Ramos Clube na década de 50.

Festa Junina em Fevereiro
A Fazenda alegre ficou
Quando se anunciou
O casamento da filha
De Antônio João Pedro Santana
Conhecido Coroné Carreteiro
Com a filha do afamado José Fagueiro
Que verdadeira maravilha
Em noite de fevereiro
Todos dançando a quadrilha
A festança está tão bela
Com as sinhazinhas tão exuberantes
E o cura inaugurando a nova capela
Que ficou ainda bem mais linda
Ao receber o fulgor da fogueira trepidante
O Reconhecimento no Samba-Enredo
Um dos marcos dessa conexão entre o carnaval e as festas juninas, foi o desfile da Portela de 1955, com o enredo "Festa Junina em Fevereiro". Idealizado por Armando Santos e com um samba-enredo assinado por Candeia e Waldir 59, o desfile prestou homenagem às tradições juninas. Mesmo sem conquistar o título daquele ano, o enredo nos permite entender símbolos pertinentes a época e dá a real dimensão a importância dessa festa para o nosso estado. Confira a letra do samba enredo terceiro colocado no carnaval de 55.


Waldir de Souza, mais conhecido como Waldir 59, sambista, cantor e compositor brasileiro.
Antônio Candeia Filho, ou simplesmente Candeia, sambista, cantor e compositor brasileiro.
Em 1984 era inaugurada a Marques de Sapucaí e a Estação Primeira de Mangueira, apresentou o enredo "Yes, Nós Temos Braguinha", assinado pelo carnavalesco Max Lopes. O samba-enredo, composto por Jurandir, Hélio Turco, Comprido, Arroz e Jajá, celebrou a trajetória de Braguinha, compositor de inúmeras músicas juninas. Desta vez, a homenagem foi coroada com a vitória no Carnaval, reforçando o vínculo entre essas duas expressões culturais e o seu apelo popular.
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Carlos Alberto Ferreira Braga, conhecido como Braguinha e também por João de Barro é considerado o compositor de carreira mais longa no Brasil, com mais 400 músicas gravadas.
Ouça abaixo o samba enredo da Mangueira de 1984 - Yes, nós temos Braguinha.

Ainda em 1984, o palco das escolas de samba recém-inaugurado passou a ser cogitado para receber um grande concurso de quadrilhas. O então prefeito Marcelo Alencar tentou implementar o projeto de um arraial na Marquês de Sapucaí, mas não conseguiu levá-lo adiante. Algumas quadrilhas chegaram a se apresentar no final dos anos 80, mas apenas como participação em eventos organizados por órgãos ligados à prefeitura.
Foi em 1993, na gestão do prefeito César Maia, que a Riotur, representada por Rodrigo Farias Lima, organizou junto às federações de quadrilhas do estado o então "I Arraiá do Rio". O evento tornou-se um grandioso festival no palco inicialmente criado para os espetáculos carnavalescos. Durante um mês de festas, a Sapucaí passou a receber os grupos finalistas vindos de todo o Rio de Janeiro e Grande Rio, além de quadrilhas de Minas Gerais e Espírito Santo. O concurso aconteceu nesse espaço até 2002, voltando a ter finais apenas em 2008, realizado pela Festrilha do Rio, e em 2024, pela LIQUERJ. Esse evento representa a maior simbiose entre Carnaval e festas juninas no estado.
Matéria do Jornal O Globo de 1993 fazendo menção ao início do Arraiá do Rio na Praça da Apoteose.
Em 2013, a Unidos de Vila Isabel apresentou o enredo "A Vila Canta o Brasil, Celeiro do Mundo", celebrando a cultura rural brasileira e suas festas típicas, incluindo as festas juninas. O samba-enredo, composto por André Diniz e cia., se destacou como um dos maiores da história da escola, com o trecho marcante "Festa no Arraiá é pra lá de bom". O desfile foi um grande sucesso e garantiu à Vila Isabel sua terceira conquista no Grupo Especial do Carnaval carioca, reafirmando a importância das temáticas juninas no universo carnavalesco.

A Quadrilha no Carnaval Contemporâneo
Desde a criação das primeiras escolas de samba, no final da década de 20, muitos enredos fizeram menções diretas ou indiretas às festas juninas e suas expressões. Em 2017, a escola de samba "Difícil é o Nome" prestou uma homenagem explícita à tradição quadrilheira no enredo "Difícil é não amar! Quadrilha do Sampaio, 60 anos de história na cultura popular", idealizado pelo carnavalesco Sandro Gomes. O desfile exaltou a história da Quadrilha do Sampaio e de Carmem Perrotta, ícone dessa manifestação cultural no Rio de Janeiro desde 1955.
Por influência da homenagem carnavalesca, em 2020 surge o Cordão Carnavalesco "Saudade da Rainha" criado pelo filho de Carmem Perrotta, brincante que deu continuidade a Quadrilha do Sampaio e ao legado de sua mãe, nas festas juninas e no carnaval do Rio de Janeiro.




Apesar dessas homenagens, nos últimos anos, algumas narrativas e enredos feitos no Rio de Janeiro sobre as festas juninas e as quadrilhas, têm abordado uma visão que enfatiza apenas a influência nordestina nessa cultura, desconsiderando a forte identidade do povo fluminense com essas celebrações. Até os grandes eventos têm dado protagonismo para símbolos que desconectam as festas juninas da região sudeste. Um exemplo recente foi o "Arraiá da Cidade do Samba" em 2023, promovido pela LIESA. O evento que contou com as principais quadrilhas do Rio de Janeiro, utilizou como slogan do concurso o "O Nordeste vai invadir o Arraiá da Cidade do Samba!", ignorando a rica tradição junina seja por grandes nomes do samba e de período junino do estado. Isso demonstra a necessidade de um resgate da história das festas juninas cariocas para preservar sua identidade e importância cultural.
O Futuro das Festas Juninas no Rio
A troca de influências entre as quadrilhas e as escolas de samba é evidente nas indumentárias, bailados, temas de enredo e, principalmente, na atuação de diversos profissionais que brilham em ambos os espetáculos culturais. Carnavalescos como Fransergio, ex-idealizador da quadrilha Zecacuia e atualmente na quadrilha Aurora Boreal, e Cahê Rodrigues, ex-produtor da Amizade de Ramos, são exemplos dessa interligação. Além deles, nomes como Cid Carvalho, Wagner Gonçalves, Junior Barata, Sandro Gomes, Tiago Martins, Fábio Batista, Reynaldo Oliver, Arthur Franco e muitos outros profissionais de diversas áreas demonstram que o intercâmbio entre as culturas fortalece e valoriza ambas as tradições. Essa simbiose reforça o legado cultural do estado e impulsiona o reconhecimento das festas juninas do Rio de Janeiro como parte essencial da cultura popular brasileira.

Carnavalesco Cid Carvalho

Carnavalesco Cahê Rodrigues

Carnavalesco Fransérgio

Carnavalesco Tiago Martins